sexta-feira, 27 de junho de 2014

Audi… toria

CARTA ABERTA A SUA EXCELÊNCIA, A MINISTRA DAS FINANÇAS


Excelentíssima Senhora Ministra das Finanças

Excelência:

Antes de mais, seja-me permitido, para melhor explanação do assunto que trago à consideração de Vossa Excelência, que recue no tempo, e me situe na Feira Popular de Lisboa, nos anos da minha juventude.
A Feira Popular era um certame vocacionado para a diversão, com áreas de restauração, divertimento e comércio variado. Nesta, situemo-nos em frente a uma das barracas que sorteavam conjuntos de panelas e de tachos, geralmente de alumínio.
Profusamente iluminadas com a loiça alinhada em prateleiras, essas barracas dispunham de um animador/comerciante que, numa linguagem viva, servida por um sistema sonoro forte, convidava as pessoas a comprarem os pequenos bilhetes numerados que habilitavam ao sorteio. Vendida uma série de bilhetes, passava-se ao sorteio, por meio dum disco de eixo horizontal, com sectores numerados, em número igual ao dos bilhetes emitidos por série. Havia um ponteiro fixo que indicava, quando o disco parava, o número correspondente ao da senha premiada.
Seria impensável, nessa altura, que cerca de sessenta anos depois, quando a Feira Popular não passa de uma grata e doce recordação, o Ministério que Vossa Excelência ministra tão brilhantemente viesse a tomar a feliz iniciativa, de repor, adaptados aos tempos hodiernos, os sorteios das panelas, para grande alegria do povo. Os tachos, dada a falta de stock existente, estão fora do sorteio, pois, à medida que são fabricados, muitos por encomenda e por medida, são entregues à clientela habitual, e os conjuntos antigos de panelas a sortear deram lugar a uma só, por cada sorteio. Trata-se de panela modelo “SCAPE”, com a inovação de trazer agarrado um automóvel. Não um carro pindérico igual aos da montra de O Preço Certo, mas um verdadeiro topo de gama, digno de quem está habituado a viver acima das suas possibilidades.
Outra inovação foi a da venda de senhas ter sido substituída por cupões, emitidos e distribuídos pelos concorrentes, em  quantidade calculada automaticamente, que para se habilitarem apenas têm de exigir a inclusão do seu Número de Identificação Fiscal (NIF), nas facturas relativas às despesas que fazem.
Finalmente, o sorteio deixou de contar com o animador/comerciante, e passou a ser transmitido para todo o País, e apresentado por uma conhecida cara da Televisão Pública, no seu canal principal, a que todos os concorrentes, e não concorrentes, podem assistir há hora do jantar, enquanto (os que ainda se podem dar a esse luxo…) jantam.

Chegado a este ponto, quero declarar a Vossa Excelência que, se não posso optar pelo valor do carro à saída de stand, deduzido o montante respeitante aos impostos; se não o posso vender, sortear ou rifar; se Vossa Excelência não me isenta do Imposto Único de Circulação, nem me subsidia a manutenção “deste magnífico automóvel”; eu prescindo do mesmo, pois não me considerando uma pessoa de sorte acima da média, e sendo um bom cliente das farmácias, onde nem me perguntam se quero ou não, a inclusão do NIF, corro o risco de ser contemplado com um dos Audi. A cresce que o FIAT Punto de 1995 ainda está ali para as curvas, paga menos impostos e tem uma manutenção relativamente barata, pormenores que interessam a quem nunca viveu acima das suas possibilidades.

Não posso deixar de realçar o esforço financeiro a que o Ministério que Vossa Excelência ministra faz para pôr em execução esta louvável iniciativa. Decerto, e nem me passa pela cabeça outra hipótese, todos os carros sorteados e a sortear são pagos pelo Erário, o que envolve grande esforço financeiro, mesmo tendo em conta que os impostos respectivos “ficam em casa”.
Vossa Excelência poderia, eventualmente ter optado por um prémio de crédito para isenção de impostos no valor correspondente a 50 salários mínimos, o que tiraria dos ombros dos mais pobres durante muitos anos, um pesado encargo, com a alternativa, para desempregados, do pagamento, durante 50 meses de um salário mínimo. Mas em lugar de pieguices, Vossa Excelência, decerto com o apoio de Sua Excelência o Primeiro-ministro, pessoa com igual visão e conhecimento das necessidades dos cidadãos, decidiu, e bem,seguir esta via audaciosa e inovadora
Na pessoa de Vossa Excelência quero, por fim deixar um sincero voto, para todos os membros deste inefável Governo: QUE TENHAM A PAGA JUSTA PELO QUE TÊM FEITO POR PORTUGAL!

Mui respeitosamente,

Setúbal, 27 de Junho de 2014
Paulo Eusébio  


(Este blogue está escrito em Português, Norma de Portugal.)

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