quarta-feira, 2 de julho de 2014

O TRABALHO E A REVOLTA, por Isabel do Carmo



Trago-vos hoje um texto excelente, de uma mulher de que tenho a honra e o orgulho de ser amigo, desde as "carteiras" do Liceu Nacional de Setúbal. Sofreu na pele os reflexos da sua recusa aos princípios impostos por Salazar e seus capangas e, depois, da sua luta contra os que tentavam (e acabaram por conseguir!) retomar os seus privilégios que passavam (e passam!) pelo regresso dos trabalhadores à situação de proletariado, empurrados para transporem a porta encimada por uma tabuleta onde se lê: A VOSSA ESPERANÇA ACABA AQUI. O VOSSO ÚNICO DIREITO, A PARTIR DESTA ENTRADA, É O DE VEGETARDES, ENQUANTO TIVERDES ALGUMA UTILIDADE.
(Publicado em “AS MINHAS LEITURAS”)
Obrigado, Isabel do Carmo!


TRABALHO E A REVOLTA



25 de Junho de 2014 · por  · em 
(Este texto foi escrito e lido por Isabel do Carmo, integrado na performance sobre o esforço realizada pelo grupo Visões Úteis, no Festival Serralves em Festa, a 24 de Maio de 2014, no Porto. Integraram ainda esta performance Conceição Martins, operária da cortiça, Alexandre Viegas, operário da construção civil, António Fonseca, actor, o Grupo de Etnografia e Folclore da Universidade do Porto, João Palinhos, Kendoca, Ester Alves, maratonista e Inês de Carvalho, artista visual.)
O trabalho é diferente da acção humana.
A acção humana é tudo o que vai pela mão e além da mão. É tudo o que o cérebro pode criar, imaginar e depois realizar. É o sonho feito prática. É pensar e depois criar.
O trabalho também pode ser um projecto.
Mas o trabalho é sobretudo e para quase todos para comer.
Foi o trabalho para caçar, para colher. Para inventar pedras pontiagudas. Setas. Mas algumas marcadas por desenhos que vejo na minha cabeça. Eu sou criador.
Aprender a trabalhar a terra. Sol a sol. Até à exaustão. Produzir para trocar. O meu trigo, o teu linho. Produzir para vender. Para pagar a terra, que já não é a minha. Ser escravo. Até à exaustão. O chicote.
Até que vendo o meu trabalho.
Não trabalho para os meus alimentos.
Trabalho para vender o meu trabalho. Para sobreviver. Trabalho até à exaustão. Pagam-me. O patrão sabe que se eu comer posso trabalhar. Comer alguma coisa. O mínimo. Se for mais velho já posso morrer. A minha mulher também tem de comer. O mínimo. E as crianças, as que vivem, têm que comer. O mínimo. E cedo vão começar a trabalhar.
Flora Tristan correu a França e descreveu-os. Corriam os anos 30 e 40 do século XIX. Viu-os nas fábricas da seda de Lyon. Foi a casa deles. Viu as camisas lavadas de um dia para o outro. Esfiapadas. Les canuts, trabalhadores da seda, cantou o Ives Montand. Flora viu-os nos altos fornos em Londres. E as crianças das ruas escuras. “Não será o raquitismo uma doença hereditária? “Diziam alguns sábios. Foi a classe operária inglesa que lutou pelo weekend. Quando já havia muitas máquinas. É uma regalia, dizem os sábios.
Um século de revoltas, greves, lutas, utopias. Um século a sonhar com o futuro. Consigo encurtar as horas do dia. Mas nos campos as horas são as horas do dia. De sol a sol. Pão e azeitonas. E vinho. O vinho dá-me força e alegria. Suporto. Canto. Se fazes greve és despedido no “balão”.
Mais quase outro século a sonhar com o futuro. Trabalhar só 8 horas. Tirar meio fim-de-semana. Tirar o fim-de-semana. Muitas lutas. Muitos mortos. Vale a pena? Vale a pena. Sonhar com o futuro. Amanhã “o sol brilhará para todos nós”.
O sol não brilhou muito. Brilhou um pouco. Houve liberdade e greves e lutas. Houve dignidade. Sou um homem, trabalho com as mãos. Sou uma mulher, trabalho com as mãos. Sou eu. Igual a ti. A minha casta? Trago-a escondida no fundo da minha memória.
E falo da minha memória: passávamos fome, não tínhamos sapatos. Era uma vergonha. Muito pequena fui para a costura. Fui para criada. Apanhava. Fui aprendiz de sapateiro. Fui para a fábrica.
Agora este fundo da memória vem ao de cima. Com raiva.
São 700.000, 1 milhão de desempregados. 300.000 vivem de nada. Viverão de nada. Para eles já não vai haver amanhã. Nem esperança. Nem ilusão. 2 milhões pensam todos os dias como é que hão-de pagar a casa. Como é que hão-de comer. E o leite para os filhos. Eu vendo o trabalho pelo preço que quiserem. Estou à venda. Aqui. Sou simpático. Faço qualquer coisa. Tenho jeito para tudo. Trabalho as horas que quiser. Logo me arranjo. Sou mulher, posso pôr as crianças na creche, logo de manhãzinha. Tomo o transporte, mesmo apertado. Levo lancheira. Saio tarde. Vou buscar as crianças. Dou-lhes banho. Comem. Oxalá durmam cedo. Faço a comida. Adormeço em frente da televisão. Durmo pouco. É levantar. Trabalhar. Trabalhar. Até à exaustão.
Um dia vamos trabalhar só 4 horas. Porque as máquinas já trabalham por nós. Não haverá desemprego. Teremos tempo para as crianças, para namorar, para criar, para jogar.
Um dia. Depois da luta que há-de vir.
Por Isabel do Carmo
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sexta-feira, 27 de junho de 2014

Audi… toria

CARTA ABERTA A SUA EXCELÊNCIA, A MINISTRA DAS FINANÇAS


Excelentíssima Senhora Ministra das Finanças

Excelência:

Antes de mais, seja-me permitido, para melhor explanação do assunto que trago à consideração de Vossa Excelência, que recue no tempo, e me situe na Feira Popular de Lisboa, nos anos da minha juventude.
A Feira Popular era um certame vocacionado para a diversão, com áreas de restauração, divertimento e comércio variado. Nesta, situemo-nos em frente a uma das barracas que sorteavam conjuntos de panelas e de tachos, geralmente de alumínio.
Profusamente iluminadas com a loiça alinhada em prateleiras, essas barracas dispunham de um animador/comerciante que, numa linguagem viva, servida por um sistema sonoro forte, convidava as pessoas a comprarem os pequenos bilhetes numerados que habilitavam ao sorteio. Vendida uma série de bilhetes, passava-se ao sorteio, por meio dum disco de eixo horizontal, com sectores numerados, em número igual ao dos bilhetes emitidos por série. Havia um ponteiro fixo que indicava, quando o disco parava, o número correspondente ao da senha premiada.
Seria impensável, nessa altura, que cerca de sessenta anos depois, quando a Feira Popular não passa de uma grata e doce recordação, o Ministério que Vossa Excelência ministra tão brilhantemente viesse a tomar a feliz iniciativa, de repor, adaptados aos tempos hodiernos, os sorteios das panelas, para grande alegria do povo. Os tachos, dada a falta de stock existente, estão fora do sorteio, pois, à medida que são fabricados, muitos por encomenda e por medida, são entregues à clientela habitual, e os conjuntos antigos de panelas a sortear deram lugar a uma só, por cada sorteio. Trata-se de panela modelo “SCAPE”, com a inovação de trazer agarrado um automóvel. Não um carro pindérico igual aos da montra de O Preço Certo, mas um verdadeiro topo de gama, digno de quem está habituado a viver acima das suas possibilidades.
Outra inovação foi a da venda de senhas ter sido substituída por cupões, emitidos e distribuídos pelos concorrentes, em  quantidade calculada automaticamente, que para se habilitarem apenas têm de exigir a inclusão do seu Número de Identificação Fiscal (NIF), nas facturas relativas às despesas que fazem.
Finalmente, o sorteio deixou de contar com o animador/comerciante, e passou a ser transmitido para todo o País, e apresentado por uma conhecida cara da Televisão Pública, no seu canal principal, a que todos os concorrentes, e não concorrentes, podem assistir há hora do jantar, enquanto (os que ainda se podem dar a esse luxo…) jantam.

Chegado a este ponto, quero declarar a Vossa Excelência que, se não posso optar pelo valor do carro à saída de stand, deduzido o montante respeitante aos impostos; se não o posso vender, sortear ou rifar; se Vossa Excelência não me isenta do Imposto Único de Circulação, nem me subsidia a manutenção “deste magnífico automóvel”; eu prescindo do mesmo, pois não me considerando uma pessoa de sorte acima da média, e sendo um bom cliente das farmácias, onde nem me perguntam se quero ou não, a inclusão do NIF, corro o risco de ser contemplado com um dos Audi. A cresce que o FIAT Punto de 1995 ainda está ali para as curvas, paga menos impostos e tem uma manutenção relativamente barata, pormenores que interessam a quem nunca viveu acima das suas possibilidades.

Não posso deixar de realçar o esforço financeiro a que o Ministério que Vossa Excelência ministra faz para pôr em execução esta louvável iniciativa. Decerto, e nem me passa pela cabeça outra hipótese, todos os carros sorteados e a sortear são pagos pelo Erário, o que envolve grande esforço financeiro, mesmo tendo em conta que os impostos respectivos “ficam em casa”.
Vossa Excelência poderia, eventualmente ter optado por um prémio de crédito para isenção de impostos no valor correspondente a 50 salários mínimos, o que tiraria dos ombros dos mais pobres durante muitos anos, um pesado encargo, com a alternativa, para desempregados, do pagamento, durante 50 meses de um salário mínimo. Mas em lugar de pieguices, Vossa Excelência, decerto com o apoio de Sua Excelência o Primeiro-ministro, pessoa com igual visão e conhecimento das necessidades dos cidadãos, decidiu, e bem,seguir esta via audaciosa e inovadora
Na pessoa de Vossa Excelência quero, por fim deixar um sincero voto, para todos os membros deste inefável Governo: QUE TENHAM A PAGA JUSTA PELO QUE TÊM FEITO POR PORTUGAL!

Mui respeitosamente,

Setúbal, 27 de Junho de 2014
Paulo Eusébio  


(Este blogue está escrito em Português, Norma de Portugal.)

quinta-feira, 15 de maio de 2014

MUDANÇA


«Quem está mal, muda-se!», reza um aforismo, que ouvimos constantemente.
Muitos milhares de portugueses, nos últimos anos têm seguido essa sentença, mudando-se, de armas e bagagens, para outros países em busca de condições de sobrevivência que vêem negadas no seu. Muitos sentiram-se aconselhados a fazê-lo, quando o Governo, em quem votaram com a promessa de solucionar as dificuldades económicas, criadas pela banca, a nível mundial, em lugar de tomar as medidas adequadas contra os especuladores e vigaristas, rasgou todas as promessas e agravou exponencialmente a situação difícil em que nos encontrávamos. E fê-lo, cinicamente, acusando-nos de estarmos a viver acima das nossas possibilidades. Não houve bicho-careta entre os iluminados que peroram sobre matéria económica, sem entenderem minimamente de que realidade se ocupam, nas nossas rádios e televisões e escrevinham nos jornais, alguns pagos muito acima da qualidade do seu trabalho, que não secundasse a falsidade posta a circular. Carreiras, Ferreiras e quejandos, quais psitacídeos, palravam: «Estamos a viver acima das nossas possibilidades…».
Entretanto, o Governo, sem a menor intenção de resolver qualquer dos problemas com que o País de debatia, enviava o aviso à navegação: quem quiser fugir do desemprego e da miséria decorrente, tem como saída a emigração. Traduzida, a mensagem governativa era esta: «Se não querem ficar mal, como nunca imaginaram, pirem-se, enquanto é tempo!».
Se o conselho fosse seguido até às últimas consequências, em pouco tempo, a população activa transferir-se-ia para outros mercados (finalmente uso uma palavra adorada pelos que detêm o Poder!), enquanto por cá ficariam os velhos, alguns deficientes e os desempregados, que seriam espoliados pelo Fisco até à última moeda.
Com o “terreno” completamente limpo estavam criadas as condições e as portas abertas para a entrada do Capital de qualquer proveniência, sem preocupações de limpeza, pois o capital é geralmente sujo, embora haja umas partes dele mais sujas do que as outras.
Enquanto isso a fome e a doença se encarregariam da parte não produtiva da população que tinha ficado por cá.

Cada vez se difunde mais a ideia de que os políticos são todos iguais, pelo que não vale de nada votarmos. No seguimento, vem o apelo à abstenção, apoiado em mentiras propaladas, como se fossem preceitos legais, que já têm sido alvo de desmentidos e esclarecimento da Comissão Nacional de Eleições, e que eu me dispenso de escrever, não vá alguém ler à pressa e depois dizer que encontrou isso escrito neste blogue, corroborando a atoarda.
Não é com abstenção que se resolve o problema.
A nossa arma é o voto. Tem sido mal usada ou tem ficado no armeiro? Usemo-la, então de forma correcta.
A ninguém, em seu juízo perfeito, passará pela cabeça fazer uso de qualquer arma, sem a conhecer bem, saber o que poderá conseguir com ela e ter a consciência das gravosas consequências do seu uso incorrecto ou inadequado.
O voto é uma arma poderosíssima, quando bem usada.
Com essa arma, dispondo de munições (votos individuais) em quantidade adequada e bem direccionadas, podemos mudar o rumo dos acontecimentos. Com a abstenção reduzida a valores residuais, mostraremos que estamos atentos e prontos a intervir e tomar nas nossas mãos a responsabilidade dos nossos destinos. O voto expresso é o único que conta. Brancos e nulos, na prática, não são votos, são lixo!
Se continuarmos todos o que temos feito (alguns informando-se e votando de acordo com o que, em consciência, lhes pareça melhor para o País; outros, votando no partido ou coligação, como se fosse o seu clube e dessa votação dependesse uma posição no campeonato, e a maioria anulando, branqueando ou não se dando ao trabalho de lá ir) os resultados continuarão semelhantes, aos que nos trouxeram à presente situação.
Conscientes da arma que temos, e sabendo como usá-la só temos que escolher os alvos, apontar e disparar.

O Acto Eleitoral que se aproxima, geralmente é ainda mais desmobilizador do que os outros: Trata-se de eleger o Parlamento Europeu. Muitos dizem que não lhes interessa, porque é gente que, eleita, vai lá para a Europa! Quem assim pensa, ou anda muito distraído ou não faz a menor ideia do Mundo em que vive. Quem legisla sobre as linhas-mestras da nossa jurisdição? A Assembleia da República? Basta estarmos atentos às transposições para os ordenamentos jurídicos dos Estados-Membros da Legislação Europeia, para termos consciência de que prevalece sempre a Legislação de Bruxelas, às das diversas capitais europeias. Os parlamentos nacionais, transpõem as normas europeias para os respectivos estados, enquanto a margem de manobra legislativa de que dispõem fica reduzida a pouco mais que meras iniciativas regulamentares.

Com base nesta reflexão que vos deixo, como votarei?
Não vou obviamente, dizer qual a força política a quem confiarei o meu voto; isso é decisão que só a mim compete e de exclusividade da qual não abro mão.
Vou recordar o comportamento de Governos e Partidos; como chegaram, ou se viram afastados do Poder; que mentiras usaram, que promessas, depois invertidas e negadas, que processos interromperam, o que estando em construção destruíram; se raramente estiveram no Poder, o que defenderam, e foi liminarmente afastado por maiorias declaradas ou de ocasião; quais os complôs que sustentaram uns e eliminaram outros.
Respondidas as questões essenciais, enunciadas acima, veremos que conscientemente é possível concentrar votos no sentido de substituir o aforismo com que abri este texto por outro: Quem consegue mudar o que lhe faz mal, não se muda!

Setúbal, 15 de Maio de 2014
Paulo Eusébio



quarta-feira, 14 de maio de 2014

REENCONTRO




  Suspenso, há mais de 6 meses, este blogue, decidi voltar a nele escrever, destra vez, preferencialmente.
  Um blogue tem, para mim, a grande vantagem de a nossa escrita não se afundar constantemente, diluída nas escritas dos outros utilizadores, como acontece com o         Facebook, a uma velocidade vertiginosa.
   No Facebook só interessa a rama, o superficial, não a raiz nem o âmago. Tudo de ser rápido, à lufa-lufa como nos habituámos a viver nos dias de hoje. Deixou de ser pedido para amanhã; nem para hoje: é tudo para ontem!
   Algo que nos interesse mais tarde a profundar, para uma análise mais substancial é dificílimo de votar a encontrar, perdido no tal afundamento constante no Facebook.
   No blogue tudo é mais calmo e escrito com mais clareza, sem pressões. O único risco é o de uma desatenção provocar um lapso, menos justificável, porque não havia pressa.    Vale a pena correr esse risco, tendo presente que o erro é inerente à nossa natureza. Só não erra quem nada faz!

   Neste momento de reencontro, a todos saúdo e convido à leitura do que aqui trarei, com a variedade desejada num blogue generalista.
   Deixo-vos a fonte de sombra de uma aprazível esplanada de um restaurante que fechou este mês na nossa Cidade e que deixou imensa saudade a quantos desfrutaram deste local, como eu no 1.º de Maio corrente. 


P.S. – Como repararam, continuo a escrever em português ortograficamente correcto. Se me quiserem obrigar a abandonar esta ortografia, passarei a seguir a norma angolana… para Xico-esperto, cidadão inteligente!


Setúbal, 14 de Maio de 2014
Paulo Eusébio